Aqui conhecidos como “carros ou táxis voadores” ou “carros dos Jetsons”, aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical – os eVTOLs – vêm atraindo a atenção de um público crescente no Brasil.

Isso se deve, em muito, ao grande número de empresas internacionais, consolidadas ou startups, buscando se posicionar no segmento, aos expressivos investimentos de capital de risco aportados e à atuação global da Embraer, através da EVE, neste novo ecossistema de mobilidade aérea.

Os eVTOLs se propõem a realizar o transporte rápido, sustentável, silencioso e a baixo custo, de passageiros ou cargas, em espaço aéreo de baixa altitude, com ou sem piloto a bordo, nas esferas urbana – Urban Air Mobility, UAM, e intermunicipal, estadual ou regional – Advanced Air Mobility, AAM. Propõem-se ainda a operar dentro dos mais estritos parâmetros de segurança operacional, no mínimo equivalentes ou superiores aos exigidos pelos reguladores para aeronaves e operações de perfil de risco similar.

Não menos importante que os acelerados e vultuosos esforços que vêm sendo colocados na superação dos desafios tecnológicos, operacionais, de infraestrutura e de certificação, é a aquisição da confiança e da aceitação pública de tais novas aeronaves e serviços pela sociedade, em geral, e pelos órgãos competentes da administração pública.

Trata-se aqui de dois grandes grupos – o de potenciais interessados e passageiros para os novos serviços e o de potencialmente afetados, ou incomodados, com a operação destes. Pesquisas ainda esparsas e não normalizadas, dão conta de fatores adversos como a poluição sonora, visual e ambiental, as altas tarifas, a finalidade elitista dos serviços, a não equidade de acesso, o adensamento do tráfego a baixa altitude, o risco de acidentes no ar e em solo, as aeronaves sem piloto, a localização de vertiportos, a privacidade e o alto consumo de energia, relativamente a outros modais.

O quadro de riscos e de incertezas, entretanto, não impede o ímpeto das empresas mais bem colocadas na corrida, na direção da obtenção das certificações necessárias para início da operação comercial na janela 2024-2026. A EHang, empresa chinesa, acaba de receber da CAAC, a agência de aviação civil do país, o certificado de tipo de sua aeronave EH216-S, o primeiro do mundo a ser concedido, com sistema de pilotagem autônomo (sem piloto a bordo) e capaz de transportar 2 passageiros, ainda sem previsão de início de operações.

Neste grupo destacam-se – Joby Aviation, Volocopter, Archer Aviation, Lilium Jet, Jaunt Air, Vertical Aerospace, Beta Technologies, EVE, Wisk Aero, Supernal e Elroy Air, não necessariamente nesta ordem, uma vez que inexistem métodos adequados de aferição e comparação nesta complexa corrida.

Correndo por “outras raias” vêm a Pipistrel – que aposta em aeronaves convencionais e nos combustíveis de aviação sustentáveis (SAF), a Leonardo – que investe em helicópteros como o AW139, também com combustíveis sustentáveis, e a Cessna – apostando no 208B Caravan em configuração autônoma(sem piloto), em parceria com a Reliable Robotics, para o transporte de cargas. Aeronaves eletrificadas, a hidrogênio e híbridas, existem em quantidade crescente, devido aos menores custos de desenvolvimento, operação e manutenção. A certificação é também simplificada e, portanto, menos demorada e menos custosa.

Paris e Nova Iorque

As operações experimentais conduzidas nesse novembro pela Volocopter, em Paris, em preparação para as Olimpíadas de Paris 2024, e pela Joby e Volocopter, em Nova Iorque, no contexto de um ambicioso plano de desenvolvimento da aviação elétrica na cidade, suscitaram reações diametralmente opostas por parte das respectivas autoridades municipais.

Em Paris, a oposição foi quase unânime e muito vigorosa. O vice-prefeito Dan Lert, que também responde pelo plano de transição ecológica da cidade, denuncia o projeto como “uma invenção totalmente inútil e hiper poluente, para uns poucos ultraprivilegiados apressados”. Foram colocados em questão o ruído e a poluição visual, bem como, o risco à segurança dos passageiros e de parisienses em solo. O projeto, endossado pela Região de Île de France, foi taxado de “aberração ecológica e absurdo, ignorante e insolente com a emergência climática em curso”.

Opiniões negativas foram ainda externadas quanto à construção de um vertiporto nas proximidades do Porto de Austerlitz, no 13° Distrito. A Autoridade Ambiental (AE) francesa, agência independente, já tinha apresentado suas restrições ao projeto em setembro, considerando-o “incompleto”, do ponto de vista da projeção futura de aeronaves voando sobre o Sena, questionando também o alto consumo de energia destes veículos, quando comparados ao de trens. O objetivo seria oferecer uma “ponte aérea” de 10 minutos, dos dois principais aeroportos ao centro da cidade, por € 115.00. O Ministério dos Transportes francês deverá emitir, no início de 2024, um parecer quanto à continuidade deste projeto.

Já, em Nova Iorque, o evento gerou grande repercussão política em apoio ao plano do atual prefeito, Eric Adams, de sair na frente na ´aviação elétrica do futuro´ na cidade. As aeronaves da Joby e da Volocopter demonstraram as possibilidades práticas dos eVTOLs no ambiente urbano de Nova Iorque, onde o projeto da aviação elétrica do futuro é conduzido pela NYCEDC – a Corporação para o Desenvolvimento Econômico da Cidade, hoje em busca de empresa parceira operadora especializada e com capacidade de investimento, que possa equipar e operar heliportos municipais com a infraestrutura necessária para receber os eVTOLs, incluindo estações de recarga de baterias, entre outras facilidades para o trânsito seguro de passageiros e de cargas.

O destaque do plano é o heliporto central de Manhattan. Pretende-se diminuir o ruído de helicópteros convencionais, assim como, os congestionamentos com veículos e caminhões de entrega na cidade. Operações comerciais são previstas para dentro de 2 ou 3 anos, nos modos de táxi aéreo e de voos panorâmicos. A tarifa-alvo seria de US$ 3,00 a 4,00/pax.milha, por um serviço premium competitivo com o Uber Black.

Cabe notar que o Congresso americano, através da Lei 117-203, de outubro de 2022, aprovou o “Ato para Coordenação e Liderança da Integração da Mobilidade Aérea Avançada no Espaço Aéreo Nacional”, criando um grupo de trabalho multiagência para AAM sob o Departamento de Transporte, com o objetivo de ampliar ações de desenvolvimento sustentável e econômico dos EUA e de orientar o Congresso no que tange a recursos federais para estimular e suportar tais ações. Participam FAA, NASA, FCC e os departamentos de Comércio, Defesa, Energia, Agricultura, Segurança Interna e Trabalho.

Já na Europa, foi lançado no início deste mês pela EASA, a agência de aviação civil europeia, um Espaço Digital para Drones e eVTOLs, sob o conceito de Mobilidade Aérea Inovativa, IAM, visando o intercâmbio de informações entre cidades, regiões, autoridades nacionais, operadores aéreos e fabricantes, entre outros stakeholders, de forma transparente para os cidadãos europeus e suas preocupações quanto à segurança confiabilidade e sustentabilidade dos serviços à frente. A iniciativa é financiada pelo Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu.  A EASA lançou também recentemente uma atividade de revisão do limites de ruído aceitáveis para os eVTOLs.

E no Brasil?

Que caminhos o desenvolvimento destes serviços em nosso país tomará, dirão a velocidade da superação das barreiras tecnológicas globais ainda existentes, a entrada em regime dos novos processos de certificação e validação, e o apetite empresarial de potenciais operadores, investidores e demais provedores de serviços de suporte ao ecossistema AAM.

Fato relevante recente, diria, marco inaugural, da nossa jornada neste novo setor, foi a publicação, em 12 de dezembro, pela ANAC, de uma consulta setorial sobre os requisitos de aeronavegabilidade propostos para a certificação de tipo da aeronave EVE-100 da EVE, Embraer, um eVTOL pilotado, para 4 passageiros.

Essenciais para a aceleração, ou a desaceleração, da evolução do setor, serão ainda eventuais políticas públicas que o(s) governo(s) possam vir a implementar, na direção de mitigar os efeitos dos fatores de potencial rejeição citados acima.

Para tanto, é essencial estimular e informar corretamente os debates, que podem em muito contribuir para o bom encaminhamento dos esforços à frente. Em um paralelo, precisa-se evitar, no mínimo, o conhecido “na minha rua, não”, “no meu bairro, não”, sem saber exatamente por que, da época da implantação das primeiras torres de telefonia celular no país. Quem se recorda?

A missão do Advanced Air Mobility Institute, instituição de defesa do interesse público, não é outra senão a de estimular, qualificar e participar destes debates de forma construtiva, assim como, a de trazer para a mesa soluções, experiências e lições que vêm sendo observadas e coletadas nos já 30 países-membros do Instituto.

*Eduardo de Vasconcellos, MSc. Engenharia de sistemas, membro do Board of Liaisons, Brazil, do Advanced Air Mobility Institute (aaminstitute.org) e CEO da RPAS Ops Consulting