Acho engraçado como o conceito de Cidades Inteligentes no Brasil foi aos poucos sendo vinculado exclusivamente ao conceito de tecnologia. Muito por influência do que é a “Smart City” nos Estados Unidos e na Europa.

Mas a verdade é que a “Cidade Inteligente” nos países em desenvolvimento não é a mesma coisa do que a “Cidade Inteligente” nos países desenvolvidos. E o motivo é muito simples.

Nos países desenvolvidos, o foco da cidade inteligente está em melhorar a qualidade dos serviços existentes. Melhorar a eficiência, a performance, melhorar o que já existe.

Então, neste caso, as tecnologias aceleram e muito este processo. O uso de sensores, aplicativos e do princípio da Internet das Coisas (IoT), potencializa inúmeros mercados como o Smart Grid (iluminação pública), Smart Mobility (mobilidade inteligente), Health Smart (saúde inteligente), integração de dados, governança inteligente, enfim… Por lá a tecnologia é a base da Cidade Inteligente, porque por lá, tudo isso já foi feito. Todos esses serviços funcionam com qualidade a mais de 100 anos. E hoje eles focam sua energia e recursos em melhorar ainda mais o que já existe.

A divisão de veículo autônomo da Alphabet, que também é dona do Google, anunciou na terça-feira que começará a transportar pessoas em minivans sem “motoristas de segurança. Funcionários responsáveis pelo volante. Fonte: https://exame.abril.com.br/tecnologia/carro-autonomo-do-google-dispensa-humano-em-teste-revelador/

Nos países em desenvolvimento a realidade é completamente diferente, afinal, não dá pra melhorar o que ainda não existe. E focar recursos, tempo e equipe em melhorar o que ainda não existe é sinal de falta de inteligência.

Deixa eu me explicar melhor…

No Brasil e nos países em desenvolvimento temos uma característica comum: muitos serviços sendo oferecidos de forma incompleta.

Por exemplo: segundo dados do SNIS (2017), 48% da população brasileira não possui coleta de esgoto e apenas 46% do esgoto produzido no país é tratado. O resto é devolvido à natureza sem o devido tratamento.

Além de não coletar e tratar o esgoto, o país não fiscaliza a qualidade da água. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.659 não monitoravam a qualidade da água. Quase a metade, 2.676, também não possui plano de saneamento básico. 35 milhões de brasileiros não tem acesso a água tratada, 59% das escolas de ensino fundamental não possuem rede de esgoto, 289 mil pessoas são internadas por diarreia ou outras doenças relacionadas a falta de saneamento, impactando ainda mais o nosso já precário sistema de saúde.

Ou seja, serviços oferecidos de forma inacabada. E essa realidade também vemos nos setores da saúde, da educação, da segurança, da mobilidade, do desenvolvimento econômico e geração de renda.

Políticas públicas que começam a ofertar o serviço, mas por algum motivo, não conclui o ciclo. Talvez porque as obras que ficam debaixo da terra não deem votos, talvez porque a população esteja mais interessada no wi-fi na praça do que no tratamento do esgoto. As vezes chego a pensar que as pessoas acreditam que existe um canal que liga o vaso sanitário dela a uma outra dimensão capaz de fazer o esgoto dela sumir do universo ao dar descarga.

E com gestores sem a total compreensão do impacto financeiro, social e ambiental que tem de iniciar uma política pública e não finalizá-la, de deixar incompleta, somado aos interesses de alguns mercados que querem vender o conceito da “tecnologia por si só” como o principal componente para se caracterizar uma cidade como cidade inteligente, mais uma população que muitas vezes não tem compreensão de que parte do serviço foi feito, mas nem tudo está finalizado e funcionando, o que temos é o caos implantado na gestão pública.

E para mim, só tem um caminho: Cidades Inteligentes se fazem com Líderes inteligentes. É preciso investir na qualificação de consultores, servidores, prefeitos e vereadores. É preciso ensinar nossas lideranças a pensar de forma sistêmica e estratégica, assim como os líderes das cidades inteligentes nos países desenvolvidos fazem. E aí sim, usar a tecnologia para nos ajudar a acelerar o processo de politicas públicas para cidades inteligentes no Brasil. Mas definitivamente, eu desconheço um aplicativo que trate esgoto, construa casas, leve água potável a quem precisa. O primeiro passo é definitivamente ter líderes mais inteligentes.

*Grazi Carvalho – Geógrafa, CEO no Instituto Smart Citizen. Idealizadora do projeto LICI: Líderes inteligentes, Cidades Inteligentes: todos os dias um conteúdo novo sobre Liderança e Políticas Públicas pra Cidades Inteligentes no canal do Youtube e no Facebook.

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